Decisão sobre missas e cultos: ministros do STF divergem no pior momento da pandemia (Imagem: G1)
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O ministro Gilmar Mendes votou nesta quarta-feira (7), em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a liberação de celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em razão da pandemia de Covid-19.

Relator do processo, Mendes foi o primeiro ministro a votar. Após o voto dele, já no fim da tarde, o julgamento foi interrompido e será retomado nesta quinta-feira (8).

A discussão no Supremo se dá no momento mais crítico da pandemia — 4.211 mortes por Covid-19 em 24 horas. Ao todo, até esta terça-feira (6), o país registrava 337.364 vítimas. Os casos confirmados desde o começo da pandemia são 13,1 milhões — brasileiros que têm ou já tiveram a doença.

O início do julgamento foi marcado para esta quarta-feira pelo presidente do STF, Luiz Fux, após decisões conflitantes de Nunes Marques e do próprio Gilmar Mendes sobre o assunto.

No sábado (3), ao julgar pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure), o ministro Nunes Marques aceitou o argumento da liberdade religiosa e proibiu que celebrações em templos e igrejas sejam vetadas por estados, municípios e Distrito Federal em razão da pandemia.

Na segunda (5), o ministro Gilmar Mendes tomou decisão divergente. Ele rejeitou ação do partido PSD — que pedia a derrubada do decreto estadual que proibiu cultos e missas em São Paulo devido à pandemia — e enviou o caso ao plenário do STF.

“Quer me parecer que apenas uma postura negacionista autorizaria resposta em sentido afirmativo, uma ideologia que nega a pandemia que ora assola o país e que nega um conjunto de precedentes lavrados por este tribunal durante a crise sanitária que se coloca”, escreveu o ministro.

Voto do relator

Ao votar na sessão desta quarta, Gilmar Mendes afirmou que o Supremo já assegurou autonomia aos estados e municípios para que tomem medidas de combate ao coronavírus, inclusive com restrições a atividades religiosas.

“Temos diante de nós a maior crise epidemiológica dos últimos 100 anos”, disse Gilmar Mendes. “Uma tragédia cujo enfrentamento requer decisiva colaboração de todos os entes e cujas consequências administrativas são sentidas de modo mais intenso pelos pequenos estados.”

O ministro criticou a “agenda política negacionista, que se revela, em toda a dimensão contrária à fraternidade tão ínsita ao exercício da religiosidade” e afirmou que a proteção constitucional “jamais pode ser diminuída”.

O ministro lamentou o número de mortes causado pela Covid-19 e afirmou que o advogado-geral da União, André Mendonça, parece ter vindo de uma “viagem a Marte e que estava descolado de qualquer responsabilidade institucional”.

Mendes também criticou o procurador-geral da República. Augusto Aras havia pedidon ao STF que a ação fosse encaminhada a Nunes Marques. “Não se escolhe relator”, disse.

“Parece que está havendo um certo delírio. É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade”, afirmou o ministro.

Ainda segundo Gilmar Mendes, a liberdade religiosa é a liberdade de manifestar a religião, “direito submetido à reserva legal”, e a Constituição “não alberga proteção somente à fé cristã”.

O ministro argumentou que diversos países já adotaram medidas semelhantes e não foram taxados de autoritários.

“A lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser que assim o imponha algum valor constitucional de maior peso.”

Para o ministro, “não há como articular as restrições impostas com o argumento de violação ao dever de laicidade. Também não comove a tentativa de atrelar excessividade à medida”.

Mendes disse que o pior erro na formulação das políticas públicas é a omissão.

“É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que estados e municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. O estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a União, mas também os estados e os municípios.”

Segundo argumento o ministro, não fosse o reconhecimento pelo STF da autonomia de estados e municípios para atuar na pandemia, a situação sanitária do país estaria ainda pior.

“E esse é um aprendizado que temos no Brasil, infelizmente — é que as situações trágicas ou graves ainda podem piorar. Às vezes, o poço parece que não tem fundo”, declarou.

Ao finalizar o voto, Mendes afirmou que o país se tornou um “pária internacional” no âmbito da saúde. “Diante desse cenário, faz-se impensável invocar qualquer dever de proteção do estado que implique a negação à proteção coletiva da saúde”.

“Ainda que qualquer vocação íntima possa levar à escolha individual de entregar a vida pela sua religião, a Constituição de 88 não parece tutelar um direito fundamental à morte. A essa sutil forma de erodir a normatividade constitucional deve-se mostrar cada vez mais atento este STF, tanto mais se o abuso do direito de ação vier sob as vestes farisaicas, tomando o nome de Deus para se sustentar o direito à morte”, complementou.

Governo e PGR defendem manter cultos

No começo da sessão, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, defendeu que os cultos devem ser autorizados e que “sem vida em comunidade não há cristianismo”.

“Não estamos tratando de um debate sobre vida e morte. Todo cristão sabe e conhece os riscos dessa doença e sabe que precisa tomar cuidados e cautelas diante dessa enfermidade. Não se trata de uma discussão política. Todos nesta discussão defendemos a vida”, disse.

O advogado-geral disse ainda que é injusto fechar templos e atividades religiosas. Segundo ele, “os verdadeiros cristãos estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”.

Oito interessados na ação também apresentaram seus argumentos à Corte. Enquanto entidades religiosas afirmaram que as medidas sanitárias são excessivas, que a igreja é alvo de discriminação e que não existe culto virtual, representantes de partidos argumentaram que o isolamento social é necessário e que muitos outros estabelecimentos também estão fechados.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que os cultos e missas devem ser permitidos, desde que tomadas as medidas preventivas.

Aras disse que estados e municípios têm competência e autonomia para estabelecer regras, mas que a liberdade religiosa é cláusula pétrea.

“A Constituição, ao dispor sobre liberdade religiosa, assegura livre exercício dos cultos religiosos. Decretos e atos, ainda que decorrentes de uma lei ordinária, podem ter força para subtração e direitos fundamentais postos na lei maior? Parece-nos que não”, acrescentou.

Ainda segundo Aras, “é necessário relembrar o lugar da religião num estado democrático de direito e ter presente que o estado é laico, mas as pessoas não são”.

“A ciência salva vidas. A fé também. Não há oposição entre fé e razão. Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente”, disse.

O plenário do Supremo já decidiu que estados e municípios têm autonomia para tomar medidas relacionadas à pandemia, o que não isenta o governo federal de agir.

G1

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