Gravações obtidas pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado da Paraíba mostram o ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), debatendo valores de supostas propinas com Daniel Gomes da Silva, operador das Organizações Sociais (OSs) Cruz Vermelha do Brasil (CVB) e Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (Ipcep), que geriam hospitais no estado.
Nos trechos interceptados presentes na decisão do desembargador Ricardo Vital de Almeida, responsável pela expedição de 17 mandados de prisão da sétima fase da Operação Calvário, entre eles a do ex-governador Ricardo Coutinho, mostram que Ricardo questiona Daniel Gomes da Silva se os repasses estão sendo feitos conforme o acordado.
De acordo com a investigação do MP, o dinheiro repassado pelas Organizações Sociais geridas por Daniel Gomes da Silva eram geridos pela ex-secretária de administração, Livânia Farias, presa na terceira etapa da operação Calvário. O dinheiro de suposta propina começou a ser repassado pela Cruz Vermelha desde 2010 e utilizado em campanhas eleitorais de Ricardo Coutinho e de pessoas pertencentes ao seu grupo político nos anos seguintes.
Os ex-secretários Livânia Farias e Waldson de Sousa eram os responsáveis por direcionar as licitações para selecionar as Organizações Sociais que administravam os hospitais. O primeiro repasse feito em 2010 no valor de R$ 200 mil para Livânia Farias ainda na campanha de Ricardo Coutinho para governador da Paraíba e um segundo no valor de R$ 300 mil com doação oficial de campanha feita por parentes de Daniel Gomes. Os valores aparecem nas delações de Daniel Gomes e Livânia Farias, bem como nos registros no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) no caso da doação oficial.
Em 2011, a CVB é chamada a fazer uma gestão pactuada no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Além das gravações telefônicas e gravações feitas por Daniel Gomes em conversas com Ricardo Coutinho, o MP coletou emails trocados pelos dois tratando da gestão pactuada da CVB e dos repasses financeiros.
De acordo com a investigação, o pagamento de adiantamentos de supostas propinas para agentes públicos e políticos, somente na gestão do Hospital de Trauma de João Pessoa, movimentou um valor aproximado de R$ 20 milhões.
Conversa entre Ricardo e Daniel sobre OS
Daniel: É, acho que o próximo, João no futuro nos quatro anos seguintes é… é… ti… passar o restante que tem pra, pra OS, num, num tem…
Ricardo: É
Daniel: A educação foi uma boa sacada.
Ricardo: É
Daniel: Eu acho que na saúde não tem muito jeito também não. E tentar racionalizar a rede.
Ricardo: É que na verdade eu faço o seguinte, eu não deixo, porque tudo que você faz naturalmente você vai ter reação, né (initenligível)…?
Daniel: Claro.
Ricardo: Então eu não deixo os caras respirar. Porque quando tá eu já boto outra aqui, eu vou botando, vou botando e aí o cara esquece aquela que tava pra poder se contrapor a que tá na frente… (initenligível).
Daniel: (initenligível)
Ricardo: … e vai passando as coisas
Daniel: Não respira né, o cara não respira
Ricardo: É.
Daniel: É verdade.
Ricardo: No caso da, da educação foi isso, eu botei a OS aí agora eu já tou com ensino integral.
O MP não informou quando foi captada a gravação transcrita no processo. Conforme a investigação, após o repasse feito em 2010, a CVB acertou em 2012 um repasse mensal de R$ 350 mil que eram entregues à ex-secretária de administração Livânia Farias.
À época, o custo de manutenção do Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa pago pelo governo do estado à CVB era de R$ 6,9 milhões por mês, valor em que a suposta propina já estava incluída. O repasse foi captado em outro áudio, este ambiente gravado por Daniel Gomes da Silva em 30/09/2015, transcrito no processo mostram Ricardo Coutinho perguntando sobre os valores:
Ricardo: Me diz uma coisa, aquela contribuição tá sendo repassado?
Daniel: Eu tô… se não me falha a memória, com 800 em aberto com Livânia…
Ricardo: Tá em aberto?
Daniel: Em aberto 800, mas ela sabe direitinho… tô com a planilha… eu tô repassando pingado… eu só pedi pra ela segurar um pouquinho …
Ricardo: Tá repassando… ah, é … em qual o mês, o último?
Daniel: O último foi R$ 120 mil em agosto, no início de agosto, eu tenho planilha de tudo isso, se o senhor quiser viu? Eu… eu tenho salvo na minha pendrivre… eu tenho salvo também…
Ricardo: Teve nenhuma despesa nossa, né? Não precisa tá… nunca teve acesso…
Daniel: Não, é… O nosso total é 360 por mês…
Ricardo: É…
Daniel: E eu tô em aberto com 800… Na realidade… porque a gente… na realidade governador… teve uma parte … não sei se o senhor lembra, né? Que a gente antecipou da campanha…
Ricardo: É!
Daniel: Que acabou em maio desse ano… então o que teria… de junho, julho, agosto… o campo… mês competência, né? Junho que é pago em julho, julho que é pago em agosto… aí eu … mesmo … mesmo não… ainda tando na competência… aí fui mandando algumas coisinhas, que já tava em João Pessoa, pra não ter que levar isso pra outro local, eu já fiquei adiantando pra ela… o último que teve foi 120… eu posso depois lhe mandar…
Em outro trecho transcrito presente na decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba, gravada também por Daniel Gomes da Silva em 07/08/2017, Ricardo Coutinho discute um adiantamento de uma propina referente a equipamentos médicos e o repasse da propina referente às gestões do Hospital Metropolitano de Santa Rita e Hospital Geral de Mamanguape. Confira o trecho:
Ricardo: Certo, e esse adiantamento você vai me fazer…
Daniel: O adiantamento eu faço pro senhor logo. Aí de repente o se… a gente dando tudo certo aqui governador, a gente também não teve (ininteligível)… se o senhor tiver precisando, mas a gente dá um jeito de antecipar, mas a princípio, eu…minha programação era pra novembro. Pra fazer adiantamento. Já tá lá na minha conta isso já. Agora aqui governador, eu, é custo, eu não estimei nada de, de retorno, não sei se o… como é que o senhor quer fazer aqui, que Mamanguape que a gente até hoje não tem nada, né?
Ricardo: É.
Daniel: No Trauma nosso valor é 380 atualmente, que a gente repassa por mês. Não sei se o senhor queria que fizesse uma regra de três a incluir isso aqui. Que não chegou nem a incluir 100%, porque parte até, eu já tinha até um resíduo aqui de uns 50 e poucos mil que tá sobrando desse valor aqui, eu só arredondei porque sabia que esse número aqui eu já… é um número que eu (interrompido)…
Ricardo: É, chegar a…
Daniel: Acho que pelo menos uns 200 ou 300…
Ricardo: É…
Daniel: Acho que caberia…
Ricardo: (ininteligível)
Daniel: Se o senhor me autorizar eu refaço isso daqui e Ana Cláudia lhe apresentar o número…
Ricardo: Certo, faça isso.
Daniel: Tá?
Ricardo: Faça isso.
Daniel: Botar, botar pelo menos 200, que aí eu acho que, acho que dá. Se eu conseguir colocar um pouquinho mais eu lhe aviso.
Ricardo: Tá.
Daniel: Isso vai ficar em oito e duzentos, oito e duzentos e cinquenta, tá? Aí o custo de nota fiscal eu seguro, não tem problema… tá?