Imagem ilustrativa/internet
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Meu primeiro certificado na vida, à margem das declarações do ensino regular,  foi de andarilho. O Sgt. Neves, meu professor de educação física, organizou uma caminhada com o pomposo nome de I Passeio a Pé de João Pessoa. Uma quixotesca iniciativa que, ao meu ver, nutria um objetivo de atividade esportiva, bem casada à tentativa de introduzir os miúdos à prática do conhecimento sobre cidade e apreciação paisagística do ambiente urbano.

 Se me for perguntado o percurso não lembro, mas creio que saímos de Cruz das Armas, próximo ao 15 RI, onde ficava o centro de treinamento do Neves, e fomos até o Parque Solon de Lucena ou o Arruda Câmara, em Tambiá. Não lembro mesmo. Sei que sobrevivi ao percurso, devia ter 11 ou 12 anos, e voltei pra casa ostentando um certificado de participação.

Meu pai é que gostou da novidade. Ele que sempre foi um homem dado a longas caminhadas até o fim da vida, passou a “frescar” com a minha cara me apelidando de andarilho com certificado. Acho mesmo é que ele nutria certo orgulho por passar traços da genética e da sina de caminhante. O fato é que até hoje gosto de andar – se bem que já não tenho as pernas resistentes de ontem, mas continuo curtindo uma caminhada –  , e seja, por lazer ou necessidade, vez ou outra entabulo um périplo pela cidade.

Deslocar-se espacialmente ao ritmo natural das passadas constitui para mim uma forma de apreciação do mundo ao redor. Há um quê de poético no ato. Três autores marcantes em minha formação tem, em algumas obras, o deambular como fio condutor. As poéticas de Matsuo Bashô, Kalill Gibran e Hermam Hesse, por vezes, soam como o cântico do homem a caminhar, totalmente integrado à natureza, ao cosmo, ao espírito divino. Místico, telúrico e  exotérico a um só tempo. Ao caminhar, penso, segue-se apaziguado, curioso ou reflexivo sobre a própria condição de homem  e ser vivente.

Cresci andando e explorando as cercanias de meu bairro. Para alimentar minha inspiração ou aspirações de menino era preciso sair de si, expandir o universo,  física e espiritualmente, compreender para além da cerca e do terreiro de casa. Dois hábitos, confesso, contribuíram nesse sentido e formataram meu modo de aprender, apreender e viver no mundo: a leitura e as caminhadas.

À primeira dediquei minha horas de obrigação, de ócio, de solidão e concentração. A segunda, mesmo tendo realizado muitas incursões sozinho, sempre foi agenda para aventuras coletivas, em meio à camaradagem e a algazarra natural dos meninos. “Não sou tanajura, mas eu crio asa”, diria o poeta um dia desses.

O Jardim Planalto, meu bairro, era uma pequena porção de terra com extensões. Fazíamos parte – sempre assim intuí – da grande Cruz das Armas. Se tudo era nosso, era preciso por os cambitos na estrada. Bairro do Novais, Cidade dos Funcionários, Beira Molhada, Rua do Rio, Três Lagoas, Distrito Industrial, Rio de Janjão e incursões mais distantes: Ponte de Gramame, Sítio Mituaçú (lá moravam alguns parentes), Monsenhor Magno (Mussumago), Praia do Sol, Barra de Gramame. Cresci entre meninos andarilhos.

Mais velhos, incursionamos também por outras artérias além dos nossos domínios e da vertente mais natural e “caipira” que nos atraía inicialmente. Fomos descobrindo Jaguaribe, Centro, Orla, Cabo Branco, Tambaú. Vagávamos por todo lado, soltos, sonhando futuros. Penso que treinei para cumprir a façanha e fazer jus àquele certificado e, após recebê-lo, ainda fiz residência, estágio e segui por aí nas pós-graduações de peregrino, caminhante e andarilho.

Edson de França

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