Compartilhe!

Hoje pela manhã reouvi “Quatorze Anos”, música de Paulinho da Viola. Indico a audição e, de pronto, explico do que trata o enredo da canção: a desvalorização do sambista, sobretudo, por meio da compra de autoria ou da parceria forjada por meio de alguma barganha comercial, expediente largamente registrado na história da música brasileira, desde que a música se tornou produto de mercado.

Abro as redes sociais e sei que o cantor Flávio José reclamou em  alto e bom som da redução de seu tempo de show no chamado “Maior São João do Mundo”, em Campina Grande. De acordo com o que li, tempo reduzido em favor de alguma estrela do chamado sertanejo “muderno”. Alguma coisa estava errada lá atrás, como reza a canção de PV, algo de desvirtuante, uma serpente, se arrasta em nosso meio. Cenário empobrecedor ao final, tanto num como noutro caso.

Essa tradição nordestina que tanto referenciamos, deve sua construção ao aspecto popular da festa e teve nela, na música, seu elemento condutor mais característico. Esta última assimilou o comportamento “antropofágico” daquela – afinal está já havia nordestinado popularmente, usos e costumes de realezas e culturas forâneas – e dimensionou uma trilha sonora particular. É a música nordestina a embaladora, a identificadora, a raiz. Por ela, a celebração, a inferência, as referências e a crônica do período se materializaram. Por ela, a retroalimentação do espírito de época.

Pasmem, senhores, a “cultura sãojoanesca” tem uma trilha sonora inseparável, unha e carne, panela e texto, sensibilidade e ação. Depende esta daquela para existir. Creio eu, até para justificar sua existência.

Com um mínimo de consciência você percebe que há de haver um certo “respeito” por esse traço tradicional. Respeito, eu falei. Nenhuma lógica mercadológica deve suplantar essa tradição. Não há justificativa. Fortalecer a festa não é criar megaeventos – quero depositar toda minha ingenuidade aqui -, mas dar uma identidade a essa manifestação.

Se a “construção” dessa identidade se valer de imagem de outrem, tá lá na lei, se cristaliza o crime de “falsidade ideológica”. Manter a essência é não vender a alma, sacrificá-la ou utilizar o milagre do outrem para explicar (ou reverter) sua impotência ou justificar sua importância. O adjetivo grande pressupõe o que de fato? Afluência de pessoas? Aglomeração? Megaeventos em meio a parca infraestrutura das cidades? Em termos musicais, vale a “mistura” saudável, nunca a imposição prepotente de extraterrestres.

Os “breganejos” e “plastificados” tem agenda para o ano inteiro. Independente do São João, flutuam  por essas bandas inúmeras vezes por ano. São figurinhas carimbadas em tudo que se assemelha a uma micareta ou festival. Esbanjam nas colunas de celebridades suas aquisições consumeristas milionárias, bancadas pelos  cachês fantásticos que amealharam brasis adentro.

Ademais, dão-se ao luxo de posarem “conservadores”, num país que carece de outras mentalidades comportamentais e sociais. Fazem questão de mostrar ignorância e indiferença para o endereço que alimenta sua fortuna. E  ainda por cima contam com a massificação das mídias, martelando diuturnamente suas chorosas cançonetas.

Nosso povo fosse inteligente passaria a prestigiar festas mais enraizadas e deixariam esses “festivais” tipo “maior são João” só pra marciano ver. Quando o milagre do santo e os talentos da terra são desconsiderados em sua própria casa, é hora de rever conceitos.

“Eu estou necessitado

Mas meu samba encabulado

Eu não vendo não senhor”,

como diria Paulinho da Viola.

Não vendo, não largo, nem loteio minha consciência. Não vou e nem clamo por show de um tal “embaixador”. Em terra que elegeu um “rei” que, em sua época, foi artista e divulgador da região, quase um self made man; “embaixador”, cercado de baba-ovos,  salamaleques e benesses oficiais, é patente dispensável.

por Edson de França

Deixe seu comentário