Ariano Suassuna em Patos em 2013 concedeu entrevista ao jornalista Wandecy Medeiros.
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Nesta terça-feira, 23 de julho de 2024, faz dez anos da morte do escritor, dramaturgo, poeta advogado Ariano Suassuna, o grande defensor da cultura nordestina. Ariano Suassuna, esteve em Patos pela última vez no dia 25 de abril de 2013, para ministrar a sua aula-espetáculo a convite da Fundação Ernani Sátyro. O jornalista Wandecy Medeiros, da Folha Patoense (que na época circulava em sua versão impressa, a versão online só começou em 2016) iria viajar a Recife para entrevistá-lo, mas a viagem se fez desnecessária com a vinda de Ariano à Patos.

Wandecy Medeiros estava acompanhado do artista plástico Murilo Santos, do designer gráfico Alex Souto e do historiador Mário Gregório (in memoriam). Eles foram recebidos por Ariano Suassuna no hotel em que ele estava hospedado.

Folha Patoense: Eu sou moral mesmo. Eu ia a Recife entrevistá-lo, mas o senhor foi que veio a Patos me conceder a entrevista (risos).

Ariano Suassuna: E eu vim aqui só para ser entrevistado por você mesmo. Já entrei na cidade lhe procurando: cadê Wandecy? (gargalhadas).

Folha Patoense: Ariano, a primeira pergunta será sobre futebol. Sei que o senhor é um apaixonado pelo Sport de Recife e eu já vi muitas entrevistas suas, mas ainda não vi nenhum jornalista lhe perguntar sobre aquela polêmica que envolve o título brasileiro de 1987, entre o Sport de Recife e o Flamengo. Na sua opinião, de quem é aquele título?

Ariano Suassuna: Olhe, nem converse. Não tem conversa não. Aquele título é do Sport e eu vou lhe dizer uma coisa: qualquer time brasileiro que jogue com um time estrangeiro eu torço pelo time brasileiro, a exceção é o Flamengo (risos). O Flamengo pode jogar com um time argentino e eu torço pelo time argentino. Eu quero que o Flamengo apanhe por causa dessa coisa deles contestarem o nosso campeonato. Que ganância desgraçada! O Flamengo já tem cinco títulos brasileiros (lembramos que a entrevista é de 2013) e quer colocar uma sexta estrela pra empatar com o São Paulo. E por isso quer roubar o título do Sport. Tenho horror ao Flamengo.

Folha Patoense: Ariano, nas décadas de 1930, 1940, havia um escritor patoense chamado Allyrio Meira Wanderley, que teve uma rápida ascensão, depois caiu no ostracismo e hoje é desconhecido até aqui na cidade de Patos. Felizmente hoje já existe, por parte de alguns historiadores e instituições, um esforço no sentido de se lançar todos os livros de Allyrio Meira Wanderley aqui na cidade de Patos. O senhor conhece o trabalho de Allyrio?

Ariano Suassuna: Sim. Quando jovem eu li dois livros dele. Ele era aparentado da minha família. Os livros dele eram interessantes. Ele tinha uma maneira interessante de escrever. Não vou dizer que era um grande escritor, mas era um escritor bom, forte.

Folha Patoense:  Allyrio Meira Wanderley tem um livro chamado “As Bases do Separatismo”, onde defendia a divisão do Brasil em regiões independentes e…

Ariano Suassuna: Eu li o livro “As Bases do Separatismo”…

Folha Patoense: E qual a sua opinião sobre essas ideias separatistas que ainda vigoram no Brasil?

Ariano Suassuna: Eu acho isso uma estupidez. Acho que é se voltar contra uma das maiores conquistas da história do povo brasileiro, que foi essa unidade. Você veja uma coisa: a América Latina de fala espanhola fragmentou-se toda e o Brasil, esse continente, ficou unido. Não foi fácil, tanto que, ultimamente se procurou uma data para se tornar a data oficial de Pernambuco e escolheram seis de março, que foi a deflagração da revolta que aconteceu em 1817 e voltou em 1824 com o nome de Confederação do Equador. Pois bem, eu respeito, mas eu preferia que tivessem escolhido Guararapes, exatamente porque Guararapes é um movimento muito simbólico, porque os três grandes líderes de Guararapes foram: um branco, paraibano, André Vidal de Negreiros; um índio, do Rio Grande do Norte, Camarão; e um negro pernambucano, Henrique Dias. Então eu acho que o Nordeste é o coração do Brasil, e acho que o coração do Nordeste está nesses três estados que eu citei, mas esse movimento era separatista, como a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, também foi separatista, então eu comecei a pensar: o que foi que manteve essa unidade do Brasil? É um milagre um país desse tamanho ter se mantido unido. Primeiro eu cheguei a pensar que foi a língua portuguesa, mas não foi, porque os países da América Espanhola mantiveram o espanhol e o espanhol não proporcionou a unidade. Não foi a língua. Depois eu pensei que foi a Igreja Católica, mas também não foi, porque a Igreja Católica também é forte na América Hispânica e não manteve a unidade, mas aí eu descobri: eu não sei se você já refletiu sobre isso, mas eu acho Dom Quixote o maior livro que já foi escrito, o maior romance já escrito. Pois bem, Dom Quixote , na hora que ele teve a oportunidade de governar uma ilha, ele não quis governar não, ele colocou Sancho Pança, e tinha razão, porque Sancho fez um grande governo, e tinha bom senso. Trazendo o problema para a América Latina e falando agora de Simón Bolívar, eu acho Bolívar um dos maiores homens da América Latina, mas ele era um “quixote”. Ele não conseguiu a unidade não, enquanto o nosso brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva era um “sancho”. E ele deu uma jogada de gênio. Contrariando a opinião dos radicais da época, ele fez a independência do Brasil por meio do Príncipe Herdeiro da Coroa Portuguesa, aí chamou Dom Pedro I e em torno de Dom Pedro I foi que se manteve a unidade no Brasil. Tanto assim que quando o Rio Grande do Sul quis sair foi o império, foi o filho de Dom Pedro I, que segurou. Quando o pessoal do Nordeste, da Confederação do Equador, quis sair, foi o Império que segurou, então eu acho que foi dessa jogada política de gênio desse “sancho pança“ extraordinário que era José Bonifácio que a gente hoje é essa unidade.  Eu sou contrário a toda e qualquer ideia de separação.

Folha Patoense: Ariano, esse gravador aqui, o senhor está vendo, as teclas dele são em inglês, eu procurei até um gravador que tivesse os “bitocos” em português, mas não encontrei. Eu pergunto ao senhor: os americanos fabricam um bom gravador, um bom carro, um avião, mas no campo das artes, o que de bom saiu daquele país?

Ariano Suassuna: Outro dia um artista brasileiro que eu não quero dizer o nome, disse que me admirava muito pela minha tenacidade na defesa da cultura brasileira, mas que ele pessoalmente discorda de mim porque prefere a cultura americana. Eu disse: “pois aceite meus pêsames” (risos). Eu vou dar apenas dois exemplos: procure um escultor americano da qualidade do Aleijadinho. Tem? Eu acho que não tem não. Tem algum músico americano da dimensão de Villa Lobos? Do ponto de vista cultural a gente está muito à frente deles.

Folha Patoense: Eles só têm mais dinheiro?

Ariano Suassuna: Só tem mais dinheiro. Eles podem até comprar, e, aliás, têm muito mau gosto no que compram.

Folha Patoense: A Grécia antiga, então uma região rica de cultura, sofreu invasões de povos bárbaros e dominadores. Essa invasão americana no Brasil, é parecida?

Ariano Suassuna: Não é não porque o Brasil é mais difícil de ser engolido do que a Grécia, viu?

Folha Patoense: O senhor já disse que não gosta da Bossa nova, não gosta da Tropicália e…

Ariano Suassuna: A bossa-nova é sempre melhor que a Tropicália. O pessoal diz que a Bossa nova é uma renovação do samba. No meu entender aquilo foi uma ‘anemização’ do samba. Eles ‘anemizaram’ aquela força popular do samba. Você pegue um compositor como Antônio Carlos Jobim de um lado, do outro lado você pegue um Cartola. Qual é o mais forte? Cartola é muito mais forte. Entendeu?  Jobim tem seu valor, mas eu não acho grande coisa não. Lançar mão do jazz para renovar o samba?

Outro dia eu fui a São Paulo e abri um jornal, estava um grupo de jovens que se propunha a renovar a dança brasileira. Sabe como era o nome de grupo? Era Street Dance (gargalhadas). E eles diziam lá que tinham se baseado em movimento de dançarinos jovens de Chicago e Nova York. O Brasil culturalmente tem muito mais força, não precisamos herdar essas porcarias.

Folha Patoense: O que está acontecendo hoje nas artes brasileiras que merece o seu respeito, o seu elogio?

Ariano Suassuna: Eu vejo com muito agrado o romance de Raduan Nassar, chamado “Lavoura Arcaica”. Esse eu acho um grande romance, mas eu vou dizer uma coisa a você: todo mundo está se queixando que não aparece mais um grande escritor, mas um grande escritor é raro.

Folha Patoense: O filósofo Nietzsche disse que “o povo é o arrodeio que a natureza faz para se fazer cinco ou seis grandes homens”. Vai ver que na literatura é a mesma coisa…

Ariano Suassuna: É verdade. Ele tem razão…

Folha Patoense: Ariano, no ano passado morreram Chico Anysio, Oscar Niemayer e Millôr Fernandes. Os três foram muitos exaltados na imprensa. Qual a sua relação com eles? O senhor apreciava o trabalho deles?

Ariano Suassuna: Chico Anysio eu conhecia pouco, mas acho que Chico Anysio não está no nível de nenhum dos dois. Agora, dos três eu prefiro Millôr Fernandes. Dizem que Oscar Niemayer é um grande arquiteto brasileiro. Eu concordo que ele era um grande arquiteto, mas não brasileiro. Eu acho a arquitetura dele muito pouco apropriada para expressar o nosso país. É uma arquitetura sem cor, ele tinha horror à cor.

Folha Patoense: E a questão das curvas em sua arquitetura, a valorização das curvas?

Ariano Suassuna: Uma pista de Fórmula I também tem muitas curvas, mas eu não aconselharia como modelo para coisa nenhuma (gargalhadas).

Folha Patoense: E as linhas retas de Le Corbusier?

Ariano Suassuna: Le Corbusier era suíço e se há um país diferente do Brasil esse país é a Suíça (Ariano Suassuna não completou seu raciocínio sobre o arquiteto Le Corbusier, mas ficou entendido que ele acha a arquitetura dele inapropriada para o Brasil).

Eu acho a arquitetura de Niemayer brancosa, calvinista, despojada. O brasileiro às vezes desconhece algumas coisas que pra mim são fundamentais. Eu não sei se você já tem visto por aí, mas faz uns vinte anos que eu exalto esse cidadão: era um brasileiro descendente de negro e índio, pobre, salineiro, ele era do Rio de Janeiro, de uma cidadezinha perto de Cabo Frio, chamada São Pedro da Aldeia, até o nome é bonito. Pois bem, esse cidadão, chamado Gabriel Joaquim dos Santos, fez uma casa que representa a verdadeira arquitetura brasileira. Eu acho que aquela casa representa para a arquitetura brasileira o mesmo que o folheto de cordel representa para a literatura. Se eu fosse arquiteto eu olhava o que ele fez e partia dali para a criação de uma arquitetura realmente brasileira. Ele lembra muito um grande arquiteto catalão chamado Gaudí. Gaudí fazia os muros todos incrustados de cerâmica. Que coisa linda, o uso da cor, a coragem da cor.

A primeira vez que eu fui a Brasília, lá na Universidade, eu disse: “vocês não vão gostar não, mas eu vou dizer, a impressão que eu tenho é que deram um susto nesta cidade e ela ficou pálida e nunca mais recuperou a cor”. Brasília é uma cidade pálida, uma cidade fria, só tem bancos e ministérios, e a gente não vê uma casa humanizada. Eu não pretendo morrer não, mas se por acaso acontecer essa desgraça, eu peço a Deus todos os dias para que não seja em Brasília, porque eu tenho a impressão de que o cemitério de Brasília é o mais desconfortável do mundo (gargalhadas).

Voltando aos três nomes citados. Millôr Fernandes eu admirava muito e gostava muito dele.

Folha Patoense: O senhor até lembra um pouco Millôr, fisicamente.

Ariano Suassuna: É. Só que eu sou um pouco mais alto, mas ele também tinha um nariz comprido.

Folha Patoense: Qual a sua opinião sobre os filmes de Cláudio Assis, filmes que quase sempre são ambientados na sua Recife?

Ariano Suassuna: Não vi nem “Amarelo Manga” nem outro filme dele. Eu saio pouco de casa! Eu só saio de casa forçado. Eu tenho uma casa linda. Tenho uma mulher linda, uma família linda, e mora tudo comigo. Eu sou um patriarcal…

Folha Patoense: O senhor também é lindo?

Ariano Suassuna: Eu sou horroroso (risos). Outro dia eu terminei uma aula e uma moça disse que eu era uma coisa linda. E eu respondi o seguinte: “você me desculpe, mas eu sou professor de estética e se você fosse minha aluna eu tinha de lhe botar zero” (risos).

Folha Patoense: Falando de religião agora. O senhor torceu para que o conclave escolhesse um papa brasileiro? (O conclave havia escolhido recentemente um argentino como o novo papa)

Ariano Suassuna: Não. Eu sou católico, mas o candidato brasileiro não me agrada não. Era o dom Odilo Scherer. É brasileiro, mas não merece não, mas eu fiquei muito contente com a eleição do primeiro latino americano, inclusive quando ele escolheu o nome Francisco, bastou isso para eu ver que ele vai seguir um caminho muito bom, e eu me lembrava da frase de Cristo a São Pedro: “Tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha igreja”. Aí eu fiquei pensando que essa eleição de um latino americano vai ser tão importante quanto a escolha de João XXIII. Escolhendo o nome Francisco, ele vai encaminhar a igreja no sentido tão aberto e tão bom quanto João XXII.

Mário Gregório (historiador presente à entrevista): E se fosse um teólogo da Libertação?

Ariano Suassuna: Eles são favoráveis à colaboração com os marxistas e eu sou contra há muito tempo, enfrentando muita incompreensão, inclusive. Durante o regime militar eu me vi muito sem opção porque eu nunca concordei com o imperialismo americano e quando eu denunciava o imperialismo americano os marxistas do Recife diziam “Ariano é um bicho danado, oh homem inteligente”, aí eu denunciava que na União Soviética estavam prendendo os intelectuais, e aí diziam que “Ariano é vendido ao ouro de Wall Street”. Uma vez chegou um lá e veio falar comigo essa frase, que é ridícula, um chavão: “você está ficando tão reacionário que daqui a pouco você vai dizer que comunista come criançinhas”. Eu disse: “eu não vou dizer isso não, que isso é uma frase imbecil, mas eu sei que eles estão prendendo ‘intelectuaizinhos’. Um grande escritor chamado Boris Pasternak está sendo perseguido. Pasternak nunca foi entusiasta da Revolução de 1917, mas Isaac Babel foi, foi o herói da Cavalaria Vermelha, mas Stálin fuzilou”. Eles não gostavam que eu dissesse isso.

Folha Patoense: O senhor diz que em arte o gosto médio é pior do que o mau gosto. O senhor é crítico da cultura de massa, mas a pergunta é: existe vida inteligente na cultura de massa? Existe inteligência na chamada arte pop? Não existe talento ali?

Ariano Suassuna: Não é que não exista. Peraí. Veja bem. A arte que me interessa é a grande arte, tá certo? Eu fui entrevistado por um jornalista e ele me perguntou se eu, falando mal da cultura de massa, eu admitia a aparição de uma grande obra de arte no seio da cultura de massa. Eu disse que “até agora não apareceu não, mas pode aparecer”. Eu não tenho assim nenhuma ojeriza especial não. Eu, por exemplo, vejo novela. Eu considero as novelas brasileiras melhores do que qualquer enlatado americano. Agora, isso não quer dizer que eu ache a novela uma grande obra de arte. Até agora não houve, mas, por exemplo, recentemente foi exibida uma novela da qual eu gostei muito: “Lado a Lado”. É sobre o começo da república no Brasil. O elenco estava muito bom, a direção foi boa, a trilha musical, ótima. Bom, mas não é uma grande obra de arte.

Eu vou lhe explicar o que acontece: eu vejo novelas do mesmo jeito que eu leio romance policial. Eu leio pra me divertir. Eu gosto, mas sei que um romance policial não é uma grande obra literária, mas eu lhe cito duas grandes obras literárias que foram feitas na mesma linha do policial: a primeira é a tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles; porque a técnica do romance policial foi estudada por Aristóteles, chama-se “O Reconhecimento”. Você oculta uma parte dos acontecimentos e essa parte vai ser revelada pouco a pouco e é isso que causa o nosso interesse. O romance policial é isso, né? Acontece um crime e a identidade do criminoso vai ser revelada pouco a pouco.

Murilo Santos (artista plástico presente à entrevista): E Poe? Edgard Alan Poe?

Ariano Suassuna: Poe é bom. Foi um criador. Os grandes contos policiais dele foram os criadores do gênero, mas o melhor de Poe não são os contos policiais. O melhor dele é a poesia, a meu ver.

Murilo Santos: “Nunca mais!”, (citando uma famosa poesia de Poe, “O Corvo”).

Ariano Suassuna: Bonito. “O Corvo”, né? Aliás, foi muito bem traduzido para o português por um poeta chamado Nilton Amado.

Mário Gregório: É, é considerada a melhor tradução.

Ariano Suassuna: Eu acho também.

Folha Patoense: O senhor está…

Ariano Suassuna: Só um momentinho, deixe eu concluir uma coisa. Depois do século XIX um escritor de gênio, Dostoiévski, escreveu “Crime e Castigo”, então Sófocles e Dostoievski elevaram o gênero do policial à alta literatura. Se aparecer algum autor de novela que tenha o gênio de Dostoievski ou de Sófocles e façam uma novela àquela altura então você pode dizer que surgiu, dentro da cultura de massa, uma grande obra. Até agora não apareceu não.

Folha Patoense: Essa popularidade que o senhor alcançou é uma notoriedade que a mídia proporcionou, ou seja, é coisa de cultura de massa. Isso lhe incomoda ou o senhor lida muito bem com isso?

Ariano Suassuna: Por um lado eu fico satisfeito. Outro dia eu estava em São Paulo e um bando de jovens me pediram pra tirar retratos, essas coisas, dar autógrafos, aí um jornalista me perguntou se aquele assédio me incomodava. Eu disse assim: “olha, eu sou um sujeito muito sincero, incomoda sim, dá trabalho, agora se a alternativa é indiferença ou hostilidade, eu prefiro o assédio” (risos). Agora, eu não fico deslumbrado com isso não porque eu sei que existe muita coisa de equívoco no meio disso tudo. Em primeiro lugar, é o seguinte: quando eu dou uma aula-espetáculo e vejo o povo gostando, batendo palmas, eu não me iludo não: ali não tem nem 1/3 de leitores de Ariano Suassuna.

Folha Patoense: Nem de Ariano Suassuna nem de ninguém!

Ariano Suassuna: Nem de Ariano Suassuna nem de ninguém. Por acaso eu sou uma pessoa que por temperamento gosto de contar histórias, sou brincalhão, então eu faço uma diferença. Mesmo na Literatura, mesmo entre os que leem, eu faço uma diferença entre o que eu chamo sucesso e o que eu chamo êxito. “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, é um livro que é um êxito. Já faz mais de cem anos que ele foi publicado e quase todo ano tem uma edição nova, uma tese de doutorado sobre ele, enfim, enquanto houver língua portuguesa e enquanto houver um país chamado Brasil, sabe-se que existe um livro chamado “Os Sertões”, que é fundamental para o Brasil e para a língua portuguesa. Isso é o que eu chamo êxito. O sucesso, por sua natureza, é efêmero. Euclides da Cunha jamais terá o sucesso de Lady Gaga (risos). Jamais. Só que daqui a um século ninguém vai nem saber quem é Lady Gaga, mas vai saber quem foi Euclides da Cunha. O artista verdadeiro, o escritor verdadeiro, procura o êxito e não o sucesso, mas se juntar as duas coisas, é ótimo.

Folha Patoense: Infelizmente, algumas vezes, só depois da morte é que acontece esse êxito, esse reconhecimento.

Ariano Suassuna: Eu acho que algumas vezes não. Eu acho que só depois da morte é que se pode avaliar o trabalho de alguém, por isso um escritor que se envaidece do seu trabalho ele é, além de chato, imbecil, porque ninguém pode saber o valor do que ele escreve enquanto ele estiver vivo. Eu admiro Guimarães Rosa, mas quando eu cito uma grande obra ligada ao sertão e que eu acho fundamental para o Brasil, eu prefiro citar “Os Sertões”, porque já se passou esse tempo todo, enquanto Guimarães Rosa foi o nosso contemporâneo, foi meu amigo, gostava muito dele e o admiro. Eu acho que no caso de Guimarães Rosa há uma presunção de imortalidade na obra dele. Há uma presunção, mas vamos deixar passar o tempo para ver o que envelheceu, porque em Euclides a gente já sabe o que envelheceu, aquela interpretação racial dele, tudo isso envelheceu. É curioso, toda vez que Euclides da Cunha se deixava vencer pela falsa ciência social europeia do século XIX, ele erra. Chega a dizer besteira, mas quando ele deixava falar seu gênio de escritor e seu nobre caráter de homem de bem, ele acerta.

Mário Gregório: Desde os grandes intelectuais, como Gilberto Freyre, como Djacir Menezes, desde o Movimento Armorial, que outro movimento intelectual, artístico, o senhor percebe no Brasil, que pensa a realidade e a identidade brasileira?

Ariano Suassuna: Eu não gosto muito da palavra “movimento” não. Eu usei como arma de combate, porque eu me posicionei sempre e continuo me posicionando, contra o Tropicalismo. Eu achava o Tropicalismo um movimento derrotista. Aquele pessoal todo pertencia ao nosso lado, do lado da música brasileira, e a partir de certo momento eles trocaram de lado, e eu não troquei, eu continuei no mesmo lado. Aí, você veja: eles pegaram uma imagem negativa, criada pela cultura de massa americana, uma visão do Brasil e da América Latina em geral, que era uma visão americana. Vocês são muito moços, não sei se chegaram a ver, mas houve um tempo em que eu chegava pra ver um filme americano e aí aparecia o homem latino-americano, que era um camarada vestido de branco, a calça apertada embaixo, na parte da saída, costeletas, e ele se requebrando debaixo de um cacho de bananas, dançando rumba. E a mulher latina- americana era Carmem Miranda, com um abacaxi na cabeça. Fizeram esse estereótipo e os tropicalistas pegaram essa imagem horrível, americana, feita para desmoralizar a gente, e usaram como bandeira. Eu acho que o Brasil é outra coisa completamente diferente.

Folha Patoense: O senhor já veio muitas vezes a Patos? Qual a sua relação com a cidade?

Ariano Suassuna: Eu tenho uma relação muito boa com o nosso país em geral. Agora, evidentemente por ser nordestino o meu relacionamento melhor é com o Nordeste. E do Nordeste eu escolheria os três estados que eu já falei, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, e desses eu escolheria a Paraíba, que é o meu, e o sertão da Paraíba, que é a terra a qual eu fui ligado, e sou. Eu tenho com Patos ligações familiares, inclusive. Moraram aqui em Patos algumas pessoas da minha família, pessoas a quem eu admirava muito. Vocês são muito novos, não sabem não, mas morou aqui uma figura, um primo meu, que era uma figura, o doutor José Duarte Dantas. Era um fidalgo, um sujeito alto, esbelto, elegante, vestia-se de branco, e ele tinha horror a que se falasse da idade dele. Ele não se conformava com a velhice. Ele era advogado e uma vez ele estava num júri e o promotor começou a falar impertinências com ele, dizendo: “fale mais alto, eu não estou ouvindo”, aí ele elevou a voz e o promotor continuou pedindo que ele falasse mais alto, aí Duarte começou a perceber que ele estava fazendo referência à voz fraca de velho, né, aí virou-se para o juiz e disse: “o senhor está ouvindo”? O juiz disse: “estou”. Perguntou aos jurados se eles estavam ouvindo e disseram que sim, e aí ele disse: “já se vê que o defeito não é da minha voz, e sim das suas orelhas” (risos). E ainda disse: “mas não me admiro não, pois o senhor já tá velho”. O promotor disse: “mais velha é a sua mãe”. Aí Duarte perdeu a compostura e disse que só cometeu um erro na vida “e que foi parir um cachorro com a mãe do promotor” (gargalhadas).

Folha Patoense – folhapatoense@gmail.com

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